quinta-feira, 29 de abril de 2010

“Dorival Caymmi: pescador, peixe e isca no mar da brasilidade”


André Domingues

Ouvidas com atenção, as primeiras canções editadas de Dorival Caymmi, como o samba "O que É que a Baiana Tem?" e a canção-praieira "Noite de Temporal", do final dos anos 30, já indicavam um artista moderno, mais interessado em recriar a Bahia (e o Brasil) numa nova linguagem – a da cultura de massa – do que simplesmente em reproduzir um punhado de traços típicos. A maior parte da crítica especializada e da intelectualidade de seu tempo, entretanto, não teve essa mesma percepção, elogiando nelas, justamente, o que parecia “típico”, “puro”, “folclórico”. O descompasso entre a produção e a recepção é claro. Tal interpretação de Caymmi só mudaria nos sambas-canção, como “Dora” e “Marina”, lançados a partir de meados da década de 40, em que se ressalta um autor urbano e de ares cosmopolitas. Caymmi ficaria, então, associado à turma que encampou a assimilação de inovações jazzísticas à música brasileira – sobretudo, Dick Farney e Lúcio Alves, aliás, bastante mais versados na música norte-americana do que ele próprio –, o que despertaria visões díspares, elogiosas ou depreciativas, mas diversas da recepção folclorizante inicial.
A idéia de inovação, algo bem familiar ao jargão modernista então predominante, está posta em ambas as situações. Na fase inicial, o que há de realmente incomum, como as modulações para tons distantes de algumas canções-praieiras, ficou atenuado nos comentários da crítica em função da ênfase sobre a suposta capacidade de Caymmi de expor alguns traços profundos – e necessariamente reiterativos – da alma brasileira. Já na fase posterior, a dos sambas-canção, ganhou destaque a carga inovadora das canções, mas com resultado controverso e apartado da primeira recepção.
A visível descontinuidade entre a compreensão das diferentes vertentes musicais de Dorival Caymmi pede um redimensionamento histórico e crítico da sua obra. A questão passa por rediscutir a relação entre a intelectualidade modernista e a música popular, fundamental para a conformação da crítica da época, e também pela postura que o autor tomou diante dela. A questão passa, também, por compreender a linguagem específica da música popular – empregada por Caymmi com notória competência –, que frequentemente passa ao largo das preocupações dos críticos que, no passado e atualmente, se puseram a refletir sobre o tema.

Palavras-chave: Dorival Caymmi; Modernismo; Nacionalismo; Regionalismo; Cultura Popular

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