terça-feira, 4 de maio de 2010

18 maio

14h30 - Palestra de abertura

"Leituras de Presença e Ausência"

Profa. Dra. Jerusa Pires Ferreira*


Considerando a performance oral, gestualizada e teatral como uma leitura de presença que atualiza textos próximos e distantes, vamos considerar ainda a marca do oral no escrito, no impresso, a performatização desses textos em que o autor é por princípio um ausente.
Neste trabalho de agora reúnem-se observações práticas e considerações teóricas que têm como centro os princípios de oralidade e sua transmissão.

* Professora do CJE/ECA-USP e do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Semiótica da PUC/SP. Coordenadora do Centro de Estudos da Oralidade do COS/PUC-SP.

19h30 - Palestra

"A espacialização da temporalidade através da simbologia
das danças circulares"


Profa. Dra. Vera Lucia Gonçalves Felicio*

Resgatar o a-temporal através das danças circulares que traçam um caminho para a totalidade. Conectando a arte da dança à mitologia, abordaremos o aspecto ritualístico desta arte
intrinsecamente ligada à música.
Na dança o corpo do bailarino é o templo que permite acolher o Invisível. Corpo e espírito, sensações, sentimentos e o espiritual não mais se separam; pelo contrário, estão entrelaçados.
As danças circulares tornam-se uma linguagem que o bailarino expressa entre o ar e a terra, entre o divino e o terrestre. Os participantes vivenciam o eterno presente do instante da temporalidade de nossas profundezas, espacializadas por uma criatividade configurada numa coreografia.
Numa perspectiva nietzscheana, pode-se dizer que o "além-do-homem" que se opõe ao "homem-rebanho", é um peregrino que começa caminhando, aprende a saltar e, por fim, torna-se um ser que dança, pois possui os pés extremamente leves. A fim de se filosofar, é preciso saber dançar!
Em lugar de se falar sobre a integração e o respeito pelas diferentes culturas populares, as danças circulares propiciam a experiência eloquente, embora não-discursiva, do "eterno retorno" do que difere (no sentido utilizado por Deleuze).
Passando pela interpretação de toda uma simbologia ligada às danças circulares, estas levam os participantes a se harmonizarem não apenas com seu íntimo mais profundo, bem como em relação ao grupo, num verdadeiro encontro entre o indivíduo e a comunidade. Assim sendo, resgata-se a intersubjetividade, a partir do princípio da reciprocidade, tanto se afastando de uma relação fusional na qual o outro se dissolveria ao ser somente um objeto das fantasias de um Eu opressivo, quanto o extremo oposto de um individualismo exacerbado que recusaria a interação entre o Eu e o Tu.
Integrando povos e diferentes culturas, respeitando suas características específicas, as danças circulares expressam a riqueza e a multiplicidade de manifestações folclóricas decorrentes da historicidade ou do processo de uma temporalidade que se constitui enquanto um vir-a-ser.


* Professora do Departamento de Artes Cênicas da Escola de Comunicações e Artes (ECA/USP)

sexta-feira, 30 de abril de 2010

Resumos - Mesas redondas

Mesa 1 – 18 de maio 16h30
“Corpo, performance e ritual”

Profª. Ana Karicia Machado Dourado (Depto. de História – FFLCH/USP)
Prof. Giovanni Cirino (Depto. de Antropologia – FFLCH/USP)
Profª. Sonia Teller (Depto. de História – FFLCH/USP)

DEBATEDOR:
Prof. Dr. John Cowart Dawsey (Depto. de Antropologia – FFLCH/USP)

“Fazer rir, fazer chorar”: a arte de Grande Otelo, ou, elementos cômicos e trágicos na trajetória existencial de um negro no imediato pós-abolição

Ana Karicia Machado Dourado

Sendo o nosso objetivo, a longo prazo, narrar a vida de Grande Otelo, procuraremos avançar um pouco no sentido de colocar em perspectiva histórica, a partir da equação histórica específica brasileira, a fórmula através da qual Grande Otelo definia sua arte: "Fazer rir, fazer chorar". Fórmula, eu diria, que define a trajetória de vida dele próprio, um moço negro que no imediato pós-abolição tinha um sonho, ser ator, sonho que realizado transcendeu os limites de uma vida individual. Pois ele, Otelo, foi constituído e ajudou a constituir um imaginário coletivo do que é ser brasileiro, constituição operada em diversos momentos e em diversos circuitos da história cultural no Brasil. Em muitos dos quais, aliás, ele foi presença marcante. Se destacarmos apenas o cinema, Otelo foi central para a chanchada, para Nelson Pereira, para o cinema novo, e também para o cinema marginal. Em cada um desses momentos, os cineastas envolvidos sublinharam de maneira diferente o que há de trágico e cômico na sobreposição identidade nacional/lugar social, simbólico do negro. Em cada um desses momentos, Otelo, ao construir seus personagens, viveu, também, um momento de formação da sua própria subjetividade. A articulação dialética entre vivências pessoais e representações sociais, implicada na performance de seus papéis, talvez tenha tornado possível para ele compreender novamente sua situação no mundo e o que poderia haver de trágico e cômico na trajetória existencial de negros e afro-descendentes pertencentes às primeiras gerações que conheceram a liberdade. Liberdade de querer um lugar no mundo para si, lugar que comporta escolhas e invenções, mas que também está histórica e socialmente determinado. Há uma tensão aí, e como toda tensão, pode fazer rir como pode fazer chorar. Ele soube disso como poucos. E isso fica evidente em diversas falas que iremos analisar.

Palavras-chave: chanchada, performance, relações raciais, formas trágicas, representação

Relações entre a congada e o candomblé na Festa de São Benedito (Ilhabela – SP)
Giovanni Cirino
No contexto da Festa de São Benedito (realizada no município de Ilhabela, litoral norte de São Paulo) no qual a congada é encenada, diversos elementos relacionados ao catolicismo popular e às religiões afro-brasileiras são expressos. A devoção ao santo toma lugar de destaque, sendo apresentada como a essência da festa. Promessa, louvação, transe, fartura e crença são expressas em performances específicas onde público integral e público acidental (Schechner, 1988) interagem na constituição da Festa. A presente comunicação tem o objetivo de expor alguns dos elementos expressivos presentes na Festa de São Benedito, buscando realçar nas relações entre as facções envolvidas na Festa, a produção de legitimidade e a agência dos elementos estéticos. Este empreendimento tomará como referência a interpretação que o povo-de-santo do Rancho Velho (candomblé Angola) faz da congada, buscando refletir sobre os aspectos relacionados ao universo sensorial – ligado principalmente à música, à dança e ao ritual – , bem como as configurações constelacionais entre dramas sociais e dramas estéticos, festa e religião.
Palavras-chave: congada, performance, drama social, drama estético, candomblé

Performance: Lia de Itamaracá
Sonia Teller

“Essa ciranda quem me deu foi Lia que mora na Ilha de Itamaracá”
O país conhece o refrão que fez de Lia do Itamaracá uma lenda viva. Carlos Marchi em seu artigo no jornal “O Estado de São Paulo” assim descreve:

“Majestosa, porte de rainha nagô, quase 1m80, sorriso de enormes dentes alvos, brincos,
cabelos dreadlock, toda de branco − lá vem Lia do alto de sua vaidade comandar a guerra
de todo sábado à noite. E vem trazendo na mão o símbolo de sua resistência natural, o
microfone, onde despeja a voz poderosa para desfiar as cirandas da Ilha de Itamaracá que
ela fez famosa”

Lia galga sucesso e fama instalando-se na performance como ato libertário e foge das regulamentações sociais habituais do poder que, desde o século XVII, instaura, na representação e consequentemente no teatro político, práticas de controle da população e práticas para conter as manifestações pagãs.
Todavia, Foucault já enfatizava que “onde há poder, há resistência”. E aqui encontramos Lia, cirandeira que se aproxima do que Artaud almejou para o Teatro da Crueldade, incitando o fim da representação e a quebra da teatralidade ocidental.
Ciranda é a dança, cujo tempo é o da pulsação e convívio dos corpos enfatizando os anseios de Lia: a destruição das formas espaço–temporais empregadas pelo biopoder. Pelas concepções cênicas que divulga, liberta o teatro do órgão, rompendo com as diferenças autor–texto, diretor–ator, espetáculo–espectador. Todos, mestre cirandeira e praticantes são, ao mesmo tempo, partícipes do espetáculo. Arte−sem−obra cujo centro é o próprio ator−espectador, que pela ação eficaz liberta o teatro do órgão, órgão de registro, de palavras, de interpretação, do ator.

Palavras-chave: ciranda, representação, teatro da crueldade

Mesa 2 – 19 de maio 14h00

“Recortes musicais nas performances do popular: entre a oralidade e a cultura escrita”
Profª. Cristina Eira Velha (Depto. de História – FFLCH/USP)
Prof. Said Tuma (Depto. de Música – ECA/USP)

DEBATEDOR:
Prof. Dr. Elias Thomé Saliba (Depto. de História – FFLCH/USP)

A Banda de Pífanos a bordo da contra-cultura: uma explosão colorida!
Cristina Eira Velha

O processo de inserção da Banda de Pífanos de Caruaru no contexto da modernidade, a partir da década de 60, pode ser analisado a partir da reconstrução de um episódio emblemático deste encontro, que foi o show da Banda, na época chamada de Bandinha de Pífano Zabumba Caruaru, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, em 1972. Este show foi produzido pelo diretor do MAM-RJ na ocasião, Sidney Miller, juntamente com Marcus Vinicius de Andrade, músico, universitário e produtor musical, e Onildo Almeida, músico e radialista de Caruaru, responsável pela Rádio Cultura do Nordeste, que assumia expressividade na interlocução cultural entre a cultura local nordestina e os meios de comunicação urbanos e modernos no eixo Rio-São Paulo.
Reconstruído a partir dos depoimentos dos indivíduos que viveram concretamente essa experiência, reportagens e artigos de jornal da época relatando o acontecimento, este evento reúne os diversos elementos que estão na base da performance musical da Banda de Pífanos no contexto da modernidade, as relações culturais e sociais presentes na sua atuação, criação e recepção, como as significações e representações construídas nas práticas e discursos sociais que os circunscrevem.
Este episódio nos permite focalizar, como em uma lente de aumento, as tensões, trocas e construções de significados pelos sujeitos históricos que representam partes fundamentais no processo de inserção da cultura local na modernidade. Constitui, portanto, um marco no ponto de encontro entre as duas culturas representadas pelos grupos em questão: a Banda de Pífanos, formada no sertão nordestino, e a juventude universitária do Rio de Janeiro. No diálogo produzido neste encontro entre o grupo nordestino e os universitários, estão presentes também os produtores responsáveis pelos meios de comunicação, revelando portanto a realidade complexa e dinâmica da circularidade na cultura popular no Brasil. Assim, percebemos como, no momento da performance na ocasião do show, se dá a eclosão do encontro fundamental entre as duas culturas, as duas formas de ver o mundo, e suas diferentes sensibilidades, criando uma experiência de “margem” social, ou momento “liminar”, em que a alteridade que produz o estranhamento leva também ao encantamento do outro, e gera permeabilidades e transformações na tradução dos significados sociais.
O processo histórico da interação da Banda de Pífanos de Caruaru com o contexto urbano nas décadas de 60 e 70, a partir do momento de sua saída do sertão e seu estabelecimento na cidade de Caruaru, vindo daí para o Rio de Janeiro e São Paulo, foi marcado pelas intersecções de sua linguagem com a música popular brasileira, do tropicalismo à música instrumental de vanguarda, na escuta, sensibilidade e concepção musical, figurando como traduções e ressignificações da cultura marcada pela oralidade, em um movimento de constante transformação a partir do embate com as diferenças. A partir da reconstrução da narrativa deste evento emblemático do encontro, e em grande medida, performático, dramático e inusitado, podemos perceber o caminho da dupla transformação entre a tradição e a modernidade, no contexto da prática musical do grupo, como também no discurso social dos intelectuais da época preocupados com a questão da identidade cultural brasileira, marcado fortemente pela tensão entre o pensamento nacional-popular voltado para a valorização do folclore e o impulso modernizador no campo da arte e da cultura.

Palavras-chave: banda de pífanos, alteridade, performance, cultura popular, modernidade

Em busca do nacional: a presença da música popular urbana em três composições de Alexandre Levy (1864-1892)
Said Tuma
A presente comunicação tem por fim apresentar, nesta ordem, três composições de Alexandre Levy (1864-1892): Variações sobre um tema popular brasileiro “Vem cá, Bitú” (1887), Tango (1890) e Samba (1890). Com isto, temos a intenção de ilustrar o modo como o compositor paulistano foi se aprofundando dentro do repertório da música popular urbana – fonte inspiradora para a escrita de uma música reconhecidamente nacional.
Mesmo em se tratando de um trabalho de música, não pretende acompanhar a perspectiva que marcou longamente a escrita dos estudos musicológicos, que consideram a obra musical como fenômeno autônomo e desligado dos debates sociais que a tensionam. Como expectativa, este trabalho quer se situar dentro da produção que tem conseguido detectar “modernidade” antes da Semana de 1922. Trabalhos como os Antigos modernistas do professor Francisco Foot Hardman e Literatura como Missão do professor Nicolau Sevcenko estão entre as obras que inspiram esta reflexão. Com o auxílio desta perspectiva, de certo modo ligada à história cultural, tornou-se possível detectar, na produção de Levy como crítico musical do Correio Paulistano, uma série de indícios de sua preocupação modernizadora em relação à linguagem musical, além da sua ambição em contribuir para “elevar” o nível musical da Paulicéia.
Motivado, como tantos intelectuais do final do XIX, por responder à questão “o que é ser brasileiro?”, Levy foi buscar na música popular urbana a inspiração necessária para escrever música que pudesse ser reconhecida como obra com valor nacional. É preciso notar, entretanto, que apesar de ter identificado o folclore como “ciência” capaz de empreender a síntese e a sistematização de uma música brasileira, ele não foi um folclorista. Os estudos de folclore apenas se anunciavam. É oportuno lembrar também, neste sentido, que os Cantos populares do Brasil, livro pioneiro de Sílvio Romero, teve sua primeira edição em 1888. Por estas razões e pela facilidade de acesso devido à proximidade, a música popular urbana representou, para vários compositores da chamada música séria, os “fundamentos” de uma música brasileira.
É assim que, na ausência do folclore, Levy se debruça com vivo interesse, apesar de certas manifestações contraditórias em seus artigos, sobre o popular urbano, aprofundando-se nele na intenção de modernizar a sua obra musical.
A escolha das peças citadas, segundo um recorte cronológico, ilustra bem como sua percepção foi se aguçando em relação à sonoridade desse universo. Se nas Variações o popular se restringe ao tema, ocupando assim o lugar do pitoresco, do exótico, da cor local dos românticos, no Tango, Levy consegue empreender eficazmente, conforme defende o musicólogo Gerard Béhague, a ambientação típica da música popular urbana, além de apresentar várias influências do maxixe. Finalmente, no Samba, além dessa ambientação, garantida, sobretudo, pela presença da música popular urbana e não exatamente do “samba rural”, o autor vai mais longe. Levy manifesta nessa obra a tentativa de atualizar sua música elaborando-a a partir de um programa naturalista, ou seja, de um trecho de A carne, do escritor Júlio Ribeiro. Com isto o compositor paulistano consegue recriar vários momentos característicos da prática musical descrita por Ribeiro, sobretudo, o caráter responsorial, através da orquestração variando entre solista e “tutti” e também o momento apoteótico, quase de transe, ao superpor dois dos temas populares usados na música, em uma orquestração enriquecida com a presença dos instrumentos de metal.
Ao observar a trajetória composicional de Levy, aqui ilustrada em três de suas mais significativas composições, seria pertinente especular que o compositor teria performatizado o popular, na busca pelo reconhecimento nacional? Deixamos em aberto essa questão imaginando que ela talvez possa se somar às demais discussões a serem criadas neste simpósio.
Finalizando, esperamos, através desta comunicação, contribuir de algum modo com os estudos que tentam ressignificar as trajetórias de tantos intelectuais dos fins do século XIX, enxergando nelas todo o ensejo modernizador que ficou, posteriormente, estigmatizado como tarefa exclusiva dos modernistas. Neste sentido, queremos acreditar que este trabalho possa ajudar a relativizar esta visão, além de corroborar a busca por uma reflexão musical mais aberta e, talvez com um certo otimismo, em diálogo com a história.

Palavras-chave: Música brasileira, história cultural, nacionalismo, Alexandre Levy


Mesa 3 – 19 de maio 16h30
“Performances da linguagem escrita: produção e recepção”

Profª. Camila Rodrigues (Depto. de História – FFLCH/USP)
Profª. Carmen Lucia de Azevedo (Depto. de História – FFLCH/USP)
Prof. Thiago Lima Nicodemo (Depto. de História – FFLCH/USP)

DEBATEDOR:
Prof. Dr. Nelson Schapochnik (Faculdade de Educação – USP)

Guimarães Rosa: Um escrevinhador de narradores
Camila Rodrigues

A performance da escrita de João Guimarães Rosa (1908-1967) é a utilização da fala como ingrediente da sua escritura. Isso pode ser percebido a partir do alto grau de estranhamento que apresenta a leitores urbanos, pois aborda o cenário peculiar do sertão de Minas Gerais, que é tomado como emblema e alegoria do primitivo. Foi neste sertão - na cidade de Cordisburgo - que em 1908 nasceu o menino Joãozito, uma criança que ao completar oito anos, mudou-se para Belo Horizonte, onde seguiu seus estudos até tornar-se médico e depois atuar como diplomata.
Na fase adulta, Guimarães Rosa revisitou o sertão para viajar com vaqueiros e registrar, em seus conhecidos cadernos manuscritos, as narrativas e a linguagem tradicional dos sertanejos. Entender sua performance deve partir da existência desses registros, pois eles - tão parecidos com um relatório científico – não são, ainda, a sua obra literária final, mas apontamentos que serviram como sua matéria prima, já que a observação da realidade precisa de filtros ficcionais para tornar-se literatura.
A importância do contato com os sertanejos foi oferecer matéria-prima para o artesanato de sua escritura, pois ao escrever sua literatura, Rosa não reproduz exatamente o que ouviu, mas faz escolhas de palavras ou expressões que – a partir de sua força sonora ou semântica – reproduzem não a fala, mas sim o ritmo do que foi ouvido, pois elege este elemento como a força motriz da comunicação, e isso passa a atuar como o corpo da narrativa. Assumindo essa visão, a escrita de Guimarães Rosa articula a linguagem de forma a potencializar a oralidade existente nela.
Se pensarmos na recepção da obra rosiana pela crítica no contexto de seu lançamento (1946-1967), em geral, a utilização desse artesanato que propicia uma escritura ligada a oralidade foi percebida, mas somente relacionada ao espírito do seu tempo (Zeitgeist), que começou a ser expresso na literatura brasileira pelo modernismo desde os anos 1920, especialmente no resgate de aspectos primitivos e orais em nossas manifestações populares. Após 1945, com a chamada 3ª geração – a de Guimarães Rosa –, percebe-se uma busca ainda maior por experimentações lingüísticas, que refletiam uma ansiedade em inserir o Brasil nas grandes problemáticas da epistemologia do pós-guerra, valorizando, entre outros elementos, a linguagem oral. A incorporação da perspectiva infantil a este novo olhar epistemológico também alterou a visão da História. Todos esses temas serão levantados, ainda que de forma sintética, nesta fala.

Palavras-chave – Guimarães Rosa, oralidade, sertão, infância, modernismos
Macunaíma grande-otelizado: a força de uma performance
Carmen Lucia de Azevedo

Esta comunicação versará sobre Macunaíma, romance escrito em 1926 por Mário de Andrade, publicado dois anos depois, em edição patrocinada pelo autor. Partindo do ponto de vista de que essa é uma obra-chave do modernismo brasileiro, aquela em que se consolida uma nova tradição segundo muitos de nossos principais críticos literários, pretendo examinar quais as características peculiares do enredo e dos personagens que lhe asseguram essa proeminência. E avaliar o quanto algumas das suas leituras e/ou interpretações, entre elas a mais performática de todas, a película homônima rodada por Joaquim Pedro de Andrade em 1969, colaborou para a dinâmica do processo de institucionalização que transformou o personagem Macunaíma em marca-símbolo da nossa nacionalidade.
Palavras-chave: Mario de Andrade, Macunaíma, modernismo, cinema, performance
Emblema, empresa, conceito e a refiguração do passado colonial brasileiro em Sérgio Buarque de Holanda
Thiago Lima Nicodemo

Essa apresentação tem como objetivo a compreensão do significado do Barroco na obra de Sérgio Buarque de Holanda por meio de uma leitura da obra Capítulos de Literatura Colonial. Na obra o autor analisa a formação de um “mito americano” a partir da sedimentação da tópica da “silva”, ou seja, do elogio das maravilhas naturais da terra. Esse catálogo de maravilhas inclui, além da descrição das belezas geográficas, qualidades climáticas, um longo elenco das árvores, dos vegetais, dos minerais e animais. Seguindo os preceitos do estilo culto, essas imagens se elevarão a emblemas, empresas, hieróglifos, formas pelas quais o engenho poético organiza o mundo sensível.
Emulando a tradição épica européia, esses autores procuravam inscrever a matéria literária produzida em território americano no concerto cultural civilizado europeu, oferecendo legitimação do poder monárquico ao demonstrar por meio do elogio como sua terra natal poderia se somar, complementando o corpo do reino. Em outras palavras, o elogio dessa parte do reino “se impunha como artifício para produzir a apologia do todo do Império Português”. Pela lógica denotativa do conceito as qualidades naturais da terra passam a significar o próprio lugar edênico (por analogia a imagem do paraíso bíblico).
O “mito americano” se completa quando a tradição emblemática se funde com uma visão profética da grandeza da terra americana. Essa louvação de padrões típicos da era barroca, segundo Sérgio Buarque, estarão fortemente presentes durante o processo de emancipação do Estado brasileiro por meio de um uso cívico e de manifestações religiosas e políticas. Assim, os emblemas oriundos da “silva” fundarão o mito base da nacionalidade brasileira, o do paraíso. Trata-se de um processo de sacralização do poder laico do Estado, e forja de mecanismos de controle social. Por isso, a associação com o paraíso como conjunto de emblemas é feita por meio de um anuncio profético e, portanto, seguindo a estrutura da temporalidade messiânica. “O mito americano” é uma tópica voltada para o futuro, cujo telos tem seu ponto fulcral quando o mito, em sua estrutura simbólica e alegórica, é re-fundido em uma ordem política. Essa fusão, por sua vez, reconfigura os eventos, mobilizando o arsenal simbólico emblemático e agudo secularizado como fundamento de uma nova entidade política.
O barroco pode ser entendido como a coincidência entre ideal estético e a fundamentação do poder. Enquanto mito designado à manutenção do poder político, o “mito americano” representa em si uma temporalidade, tempo qualitativo ou kairos, que rearticula a cultura dispersa em torno do sentido de sua própria manutenção e legitimação. Nessa perspectiva, a história do Brasil colonial é atribuída de um caráter performático ou intertextual, pois funciona ao mesmo tempo como metáfora e chave analítica.

Palavras-chave: Sérgio Buarque de Holanda, História da Literatura Brasileira, Barroco, Teoria da História.


Mesa 4 – 20 de maio 14h00
“Inovação e reiteração na música popular”

Prof. André Domingues (Depto. de História – FFLCH/USP)
Prof. Luiz Filipe da Silva Correia (Depto. de História – FFLCH/USP)

DEBATEDOR:
Prof. Dr. Tiago de Oliveira Pinto (The Liszt School of Music – Weimar/Alemanha e Depto. de Antropologia – PPGAS – FFLCH/USP)

Dorival Caymmi: pescador, peixe e isca no mar da brasilidade
André Domingues

Ouvidas com atenção, as primeiras canções editadas de Dorival Caymmi, como o samba "O que É que a Baiana Tem?" e a canção-praieira "Noite de Temporal", do final dos anos 30, já indicavam um artista moderno, mais interessado em recriar a Bahia (e o Brasil) numa nova linguagem – a da cultura de massa – do que simplesmente em reproduzir um punhado de traços típicos. A maior parte da crítica especializada e da intelectualidade de seu tempo, entretanto, não teve essa mesma percepção, elogiando nelas, justamente, o que parecia “típico”, “puro”, “folclórico”. O descompasso entre a produção e a recepção é claro. Tal interpretação de Caymmi só mudaria nos sambas-canção, como “Dora” e “Marina”, lançados a partir de meados da década de 40, em que se ressalta um autor urbano e de ares cosmopolitas. Caymmi ficaria, então, associado à turma que encampou a assimilação de inovações jazzísticas à música brasileira – sobretudo, Dick Farney e Lúcio Alves, aliás, bastante mais versados na música norte-americana do que ele próprio –, o que despertaria visões díspares, elogiosas ou depreciativas, mas diversas da recepção folclorizante inicial.
A idéia de inovação, algo bem familiar ao jargão modernista então predominante, está posta em ambas as situações. Na fase inicial, o que há de realmente incomum, como as modulações para tons distantes de algumas canções-praieiras, ficou atenuado nos comentários da crítica em função da ênfase sobre a suposta capacidade de Caymmi de expor alguns traços profundos – e necessariamente reiterativos – da alma brasileira. Já na fase posterior, a dos sambas-canção, ganhou destaque a carga inovadora das canções, mas com resultado controverso e apartado da primeira recepção.
A visível descontinuidade entre a compreensão das diferentes vertentes musicais de Dorival Caymmi pede um redimensionamento histórico e crítico da sua obra. A questão passa por rediscutir a relação entre a intelectualidade modernista e a música popular, fundamental para a conformação da crítica da época, e também pela postura que o autor tomou diante dela. A questão passa, também, por compreender a linguagem específica da música popular – empregada por Caymmi com notória competência –, que frequentemente passa ao largo das preocupações dos críticos que, no passado e atualmente, se puseram a refletir sobre o tema.

Palavras-chave: Dorival Caymmi, modernismo, nacionalismo, regionalismo, cultura popular
Ok Computer: Performance tecnológica na virada do milênio
Luiz Filipe da Silva Correia

Formado na cidade Inglesa de Oxford no começo da década de 1990, o grupo Radiohead começou a carreira usando os recursos do Rock (guitarras, baixo e bateria) para produzir suas canções. Mas em 1997, o grupo lançou o álbum conceitual OK Computer, e como o nome sugere, o tema central será o computador, as conseqüências sociais e culturais provocadas pela massificação e espetacularização tecnológica no final do século XX. As transformações do período ocasionadas pelas tecnologias informacionais trouxeram novas percepções nas relações sociais e culturais, provavelmente interferindo na própria performance artística.
As experiências tecnológicas provocaram mudanças na sonoridade do Radiohead, OK Computer está no meio do caminho entre o Rock e a Eletrônica. Neste álbum são usados inúmeros elementos digitais e analógicos que introduzem interferências e ruídos nas músicas, dando constantemente a impressão de que algo está falhando, com mau funcionamento ou fora do lugar. Apesar disso, cada nota do disco foi pensada cuidadosamente e nada está lá por acaso. Mas mesmo nesse mundo racionalmente e apolineamente pensado, ainda existe espaço para êxtases dionisíacos, como nas performances ao vivo.
Neste texto/fala será feita uma tentativa de perceber em que medida essas transformações tecnológicas podem ter interferido efetivamente na performance musical da banda. E, se é que interferiram, como a performance do grupo na gravação do álbum pode ser vista como fruto de uma experiência contemporânea, em que a própria tecnologia performatiza e media as ações cotidianas; e as relações sociais se tornam cada vez mais fragmentadas. Assim, mesmo que de maneira suscinta, um dos principais objetivos é verificar como os estudos da performance podem ajudar os historiadores da cultura em seu metier.

Palavras-chave: música popular, tecnologia, sociedade, performance

Mesa 5 – 20 de maio 16h30
“Pra ficar tudo jóia rara: o tom da performance na música popular brasileira”

Profª. Priscila Gomes Correa (Depto. de História – FFLCH/USP)
Profª. Rafaela Lunardi (Depto. de História – FFLCH/USP)

DEBATEDOR:
Prof. Dr. Marcos Napolitano (Depto. de História – FFLCH/USP)

Chico & Caetano: projetos artísticos e algum jeito de corpo
Priscila Gomes Correa

Com trajetórias artísticas similares e paralelas, Chico Buarque e Caetano Veloso são freqüentemente confrontados pela mídia e pelo público, concentrando opiniões diversas em torno da persona que cada um tem adotado. Espontaneamente ou propositalmente suas imagens foram sendo construídas ao longo dos anos nas relações entre mídia, público e processo criativo, entre outras circunstâncias. A partir disso, nesta exposição, visamos analisar algumas performances desses artistas na televisão, desde o Festival de Música Popular de 1966 até o Programa Chico & Caetano, exibido pela TV Globo em 1986, nas quais podemos localizar algumas sonoridades e “jeitos de corpo” referenciais que contribuíram não só para as caracterizações artísticas, como também para o recorrente paralelo entre as duas trajetórias.
Além disso, identificar na bibliografia, na imprensa e nos relatos essas relações, leva à abordagem das obras artísticas, seus possíveis diálogos, aproximações e distanciamentos, oposições ou complementaridades. Do que se pode depreender os respectivos projetos artísticos de Chico e de Caetano, que assumiram desde o início a responsabilidade pública de seu ofício, engajando-se como “homens de cultura”, fazendo uso da canção, sobretudo dos níveis de significado que ela adquire ao ser cantada, com o intuito de refletir sobre a cultura e a sociedade. Postura artística favorecida por um contexto de substancial mudança do estatuto da canção, a partir de meados dos anos 60. Uma vez que, além de entretenimento, para muitos o entendimento de uma canção, graças e apesar da explosão do consumo, passou a demandar atenção especial, como linguagem influente. Por conseguinte, a abordagem das performances desses artistas favorece a compreensão e reflexão sobre esse conjunto de significados e representações que a interpretação de uma canção pode envolver, e sobre o processo inextricável da produção e criação artística sob a indústria da cultura.

Palavras-chave: música popular, performance, Chico Buarque, Caetano Veloso

Elis Regina em “O Fino da Bossa”: performance e críticas
(Brasil, 1965-1967)

Rafaela Lunardi

A comunicação terá o intuito de problematizar a performance da apresentadora/ cantora Elis Regina no programa semanal “O Fino da Bossa”, no período em que esteve no ar da TV Record, nos anos de 1965 a 1967. O objetivo será perceber como Elis impulsionou sua carreira, promovendo modificações de performance (estilo de cantar, gestual, visual) e repertório até meados da década de 1970, atendendo à demanda da MPB no período e, de certa forma, respondendo às críticas a ela dirigidas, de intelectuais, como José Ramos Tinhorão, e artistas vanguardistas, a exemplo de Augusto de Campos, Julio Medaglia e Caetano Veloso, em “O Fino da Bossa”. Com apenas vinte anos de idade, Elis já era considerada uma estrela por vencer o “I Festival de MPB” da TV Excelsior, com a música “Arrastão” (Edu Lobo/ Vinícius de Moraes), e fora convidada a comandar, ao lado de Jair Rodrigues, “O Fino da Bossa”, que se propunha a unir tradição e modernidade musical e se tornara, em poucos meses, líder de audiência da TV. O sucesso de “O Fino da Bossa” em rede nacional (ainda não tão ampla, dada toda sua incipiência), bem como de seus apresentadores, era notável nos periódicos da época, que se dedicavam a vangloriar a qualidade do programa e também de publicar fatos/ fotos/ episódios/ situações, muitas vezes indiscretos da vida pessoal dos artistas. Ao receber convidados que eram tidos como nomes importantes ou grandes “promessas” da música popular brasileira, como Dorival Caymmi, João Gilberto, Adoniran Barbosa, Cyro Monteiro, Gilberto Gil, Edu Lobo, entre outros, Elis e Jair realizavam entrevistas, brincavam e cantavam juntos com os artistas, dando um certo clima de “festa” e euforia ao programa.
Atendendo às requisições de uma performance televisual, que deveria ser mais dinâmica que em palco, a fim de fixar a atenção do telespectador, os apresentadores abusavam de ornamentos expressivos e de potência de voz ao cantar, bem como dançavam, sambavam e, no caso de Jair, até plantava bananeiras em alguns números, diante da platéia. Devido à perda das gravações originais do programa, somente podemos perceber essas performances no áudio resgatado por Zuza Homem de Mello, na trilogia “Elis no Fino da Bossa”, pelos três LPs gravados ao vivo por Elis e Jair, “Dois na Bossa”, por textos, artigos e depoimentos da época e por fotos. “O Fino da Bossa”, porém, foi perdendo prestígio junto ao público, a partir de 1966, dado o sucesso do programa “Jovem Guarda”, de Erasmo e Roberto Carlos e Wanderléa, também da TV Record. Entre tantas explicações para a perda de audiência de “O Fino da Bossa”, encontram-se as férias tiradas por Elis, de janeiro a março de 1966, deixando somente Jair como apresentador e promovendo o descaso do telespectador pelo programa que, de forma geral, era “animado” pela presença da estrela Elis. Os periódicos da época deixavam clara a grande expectativa com relação ao retorno da apresentadora ao “O Fino”. Percebendo os problemas pelos quais passava o programa, a dupla Miéli & Bôscoli foi convidada a produzir o “O Fino” e algumas mudanças foram proporcionadas para angariar o público perdido: Elis mudou o seu visual, tornando-se mais “juvenil” e moderna. Entretanto, os supostos “exageros” nas performances provocaram críticas a Elis, acusando-a de “promover o subdesenvolvimento da MPB”, de ser uma cantora “arcaica”, ou que seu gestual era “exagerado”, entre outras. Assim, com audiência em baixa e críticas crescentes, o programa saiu do ar em 1967.
A carreira de Elis, a partir desses episódios, foi marcada por transformações na performance em palco, em apresentações de estúdios, em entrevistas e em gravações, sem falar em freqüentes mudanças de repertório, buscando adequar-se aos padrões de gosto, repertório e performance articulados pela “moderna” música popular brasileira (MPB). Este processo passou por diversas fases, plenamente reconhecíveis na análise da carreira da cantora situada entre 1968 e 1976, a qual apresentaremos de forma sintética nesta comunicação.

Palavras-chave: Elis Regina, O Fino da Bossa, MPB, performance





quinta-feira, 29 de abril de 2010

“Ok Computer: Performance tecnológica na virada do milênio”


Luiz Filipe da Silva Correia

Formado na cidade Inglesa de Oxford no começo da década de 1990, o grupo Radiohead começou a carreira usando os recursos do Rock (guitarras, baixo e bateria) para produzir suas canções. Mas em 1997, o grupo lançou o álbum conceitual OK Computer, e como o nome sugere, o tema central será o computador, as conseqüências sociais e culturais provocadas pela massificação e espetacularização tecnológica no final do século XX. As transformações do período ocasionadas pelas tecnologias informacionais trouxeram novas percepções nas relações sociais e culturais, provavelmente interferindo na própria performance artística.
As experiências tecnológicas provocaram mudanças na sonoridade do Radiohead, OK Computer está no meio do caminho entre o Rock e a Eletrônica. Neste álbum são usados inúmeros elementos digitais e analógicos que introduzem interferências e ruídos nas músicas, dando constantemente a impressão de que algo está falhando, com mau funcionamento ou fora do lugar. Apesar disso, cada nota do disco foi pensada cuidadosamente e nada está lá por acaso. Mas mesmo nesse mundo racionalmente e apolineamente pensado, ainda existe espaço para êxtases dionisíacos, como nas performances ao vivo.
Neste texto/fala será feita uma tentativa de perceber em que medida essas transformações tecnológicas podem ter interferido efetivamente na performance musical da banda. E, se é que interferiram, como a performance do grupo na gravação do álbum pode ser vista como fruto de uma experiência contemporânea, em que a própria tecnologia performatiza e media as ações cotidianas; e as relações sociais se tornam cada vez mais fragmentadas. Assim, mesmo que de maneira sucinta, um dos principais objetivos é verificar como os estudos da performance podem ajudar os historiadores da cultura em seu metier.

Palavras-chave: Música Popular; Tecnologia; Sociedade; Performance

“Dorival Caymmi: pescador, peixe e isca no mar da brasilidade”


André Domingues

Ouvidas com atenção, as primeiras canções editadas de Dorival Caymmi, como o samba "O que É que a Baiana Tem?" e a canção-praieira "Noite de Temporal", do final dos anos 30, já indicavam um artista moderno, mais interessado em recriar a Bahia (e o Brasil) numa nova linguagem – a da cultura de massa – do que simplesmente em reproduzir um punhado de traços típicos. A maior parte da crítica especializada e da intelectualidade de seu tempo, entretanto, não teve essa mesma percepção, elogiando nelas, justamente, o que parecia “típico”, “puro”, “folclórico”. O descompasso entre a produção e a recepção é claro. Tal interpretação de Caymmi só mudaria nos sambas-canção, como “Dora” e “Marina”, lançados a partir de meados da década de 40, em que se ressalta um autor urbano e de ares cosmopolitas. Caymmi ficaria, então, associado à turma que encampou a assimilação de inovações jazzísticas à música brasileira – sobretudo, Dick Farney e Lúcio Alves, aliás, bastante mais versados na música norte-americana do que ele próprio –, o que despertaria visões díspares, elogiosas ou depreciativas, mas diversas da recepção folclorizante inicial.
A idéia de inovação, algo bem familiar ao jargão modernista então predominante, está posta em ambas as situações. Na fase inicial, o que há de realmente incomum, como as modulações para tons distantes de algumas canções-praieiras, ficou atenuado nos comentários da crítica em função da ênfase sobre a suposta capacidade de Caymmi de expor alguns traços profundos – e necessariamente reiterativos – da alma brasileira. Já na fase posterior, a dos sambas-canção, ganhou destaque a carga inovadora das canções, mas com resultado controverso e apartado da primeira recepção.
A visível descontinuidade entre a compreensão das diferentes vertentes musicais de Dorival Caymmi pede um redimensionamento histórico e crítico da sua obra. A questão passa por rediscutir a relação entre a intelectualidade modernista e a música popular, fundamental para a conformação da crítica da época, e também pela postura que o autor tomou diante dela. A questão passa, também, por compreender a linguagem específica da música popular – empregada por Caymmi com notória competência –, que frequentemente passa ao largo das preocupações dos críticos que, no passado e atualmente, se puseram a refletir sobre o tema.

Palavras-chave: Dorival Caymmi; Modernismo; Nacionalismo; Regionalismo; Cultura Popular

Chico & Caetano: projetos artísticos e algum jeito de corpo

Priscila Gomes Correa

Com trajetórias artísticas similares e paralelas, Chico Buarque e Caetano Veloso são freqüentemente confrontados pela mídia e pelo público, concentrando opiniões diversas em torno da persona que cada um tem adotado. Espontaneamente ou propositalmente suas imagens foram sendo construídas ao longo dos anos nas relações entre mídia, público e processo criativo, entre outras circunstâncias. A partir disso, nesta exposição, visamos analisar algumas performances desses artistas na televisão, desde o Festival de Música Popular de 1966 até o Programa Chico & Caetano, exibido pela TV Globo em 1986, nas quais podemos localizar algumas sonoridades e “jeitos de corpo” referenciais que contribuíram não só para as caracterizações artísticas, como também para o recorrente paralelo entre as duas trajetórias.
Além disso, identificar na bibliografia, na imprensa e nos relatos essas relações, leva à abordagem das obras artísticas, seus possíveis diálogos, aproximações e distanciamentos, oposições ou complementaridades. Do que se pode depreender os respectivos projetos artísticos de Chico e de Caetano, que assumiram desde o início a responsabilidade pública de seu ofício, engajando-se como “homens de cultura”, fazendo uso da canção, sobretudo dos níveis de significado que ela adquire ao ser cantada, com o intuito de refletir sobre a cultura e a sociedade. Postura artística favorecida por um contexto de substancial mudança do estatuto da canção, a partir de meados dos anos 60. Uma vez que, além de entretenimento, para muitos o entendimento de uma canção, graças e apesar da explosão do consumo, passou a demandar atenção especial, como linguagem influente. Por conseguinte, a abordagem das performances desses artistas favorece a compreensão e reflexão sobre esse conjunto de significados e representações que a interpretação de uma canção pode envolver, e sobre o processo inextricável da produção e criação artística sob a indústria da cultura.


Palavras-chave: Música popular; Performance; Chico Buarque; Caetano Veloso

Elis Regina em “O Fino da Bossa”: performance e críticas


Rafaela Lunardi

A comunicação terá o intuito de problematizar a performance da apresentadora/ cantora Elis Regina no programa semanal “O Fino da Bossa”, no período em que esteve no ar da TV Record, nos anos de 1965 a 1967. O objetivo será perceber como Elis impulsionou sua carreira, promovendo modificações de performance (estilo de cantar, gestual, visual) e repertório até meados da década de 1970, atendendo à demanda da MPB no período e, de certa forma, respondendo às críticas a ela dirigidas, de intelectuais, como José Ramos Tinhorão, e artistas vanguardistas, a exemplo de Augusto de Campos, Julio Medaglia e Caetano Veloso, em “O Fino da Bossa”. Com apenas vinte anos de idade, Elis já era considerada uma estrela por vencer o “I Festival de MPB” da TV Excelsior, com a música “Arrastão” (Edu Lobo/ Vinícius de Moraes), e fora convidada a comandar, ao lado de Jair Rodrigues, “O Fino da Bossa”, que se propunha a unir tradição e modernidade musical e se tornara, em poucos meses, líder de audiência da TV. O sucesso de “O Fino da Bossa” em rede nacional (ainda não tão ampla, dada toda sua incipiência), bem como de seus apresentadores, era notável nos periódicos da época, que se dedicavam a vangloriar a qualidade do programa e também de publicar fatos/ fotos/ episódios/ situações, muitas vezes indiscretos da vida pessoal dos artistas. Ao receber convidados que eram tidos como nomes importantes ou grandes “promessas” da música popular brasileira, como Dorival Caymmi, João Gilberto, Adoniran Barbosa, Cyro Monteiro, Gilberto Gil, Edu Lobo, entre outros, Elis e Jair realizavam entrevistas, brincavam e cantavam juntos com os artistas, dando um certo clima de “festa” e euforia ao programa. Atendendo às requisições de uma performance televisual, que deveria ser mais dinâmica que em palco, a fim de fixar a atenção do telespectador, os apresentadores abusavam de ornamentos expressivos e de potência de voz ao cantar, bem como dançavam, sambavam e, no caso de Jair, até plantava bananeiras em alguns números, diante da platéia. Devido à perda das gravações originais do programa, somente podemos perceber essas performances no áudio resgatado por Zuza Homem de Mello, na trilogia “Elis no Fino da Bossa”, pelos três LPs gravados ao vivo por Elis e Jair, “Dois na Bossa”, por textos, artigos e depoimentos da época e por fotos. “O Fino da Bossa”, porém, foi perdendo prestígio junto ao público, a partir de 1966, dado o sucesso do programa “Jovem Guarda”, de Erasmo e Roberto Carlos e Wanderléa, também da TV Record. Entre tantas explicações para a perda de audiência de “O Fino da Bossa”, encontram-se as férias tiradas por Elis, de janeiro a março de 1966, deixando somente Jair como apresentador e promovendo o descaso do telespectador pelo programa que, de forma geral, era “animado” pela presença da estrela Elis. Os periódicos da época deixavam clara a grande expectativa com relação ao retorno da apresentadora ao “O Fino”. Percebendo os problemas pelos quais passava o programa, a dupla Miéli & Bôscoli foi convidada a produzir o “O Fino” e algumas mudanças foram proporcionadas para angariar o público perdido: Elis mudou o seu visual, tornando-se mais “juvenil” e moderna. Entretanto, os supostos “exageros” nas performances provocaram críticas a Elis, acusando-a de “promover o subdesenvolvimento da MPB”, de ser uma cantora “arcaica”, ou que seu gestual era “exagerado”, entre outras. Assim, com audiência em baixa e críticas crescentes, o programa saiu do ar em 1967. A carreira de Elis, a partir desses episódios, foi marcada por transformações na performance em palco, em apresentações de estúdios, em entrevistas e em gravações, sem falar em freqüentes mudanças de repertório, buscando adequar-se aos padrões de gosto, repertório e performance articulados pela “moderna” música popular brasileira (MPB). Este processo passou por diversas fases, plenamente reconhecíveis na análise da carreira da cantora situada entre 1968 e 1976, a qual apresentaremos de forma sintética nesta comunicação.

Palavras-chave: Elis Regina; O Fino da Bossa; MPB; Performance

quinta-feira, 22 de abril de 2010

“Performance: Lia do Itamaracá”

Sonia Teller



“Essa ciranda quem me deu foi Lia que mora na Ilha de Itamaracá”

O país conhece o refrão que fez de Lia do Itamaracá uma lenda viva. Carlos Marchi em seu artigo no jornal “O Estado de São Paulo” assim descreve:

“Majestosa, porte de rainha nagô, quase 1m80, sorriso de enormes dentes alvos, brincos, cabelos dreadlock, toda de branco − lá vem Lia do alto de sua vaidade comandar a guerra de todo sábado à noite. E vem trazendo na mão o símbolo de sua resistência natural, o microfone, onde despeja a voz poderosa para desfiar as cirandas da Ilha de Itamaracá que ela fez famosa”

Lia galga sucesso e fama instalando-se na performance como ato libertário e foge das regulamentações sociais habituais do poder que, desde o século XVII, instaura, na representação e consequentemente no teatro político, práticas de controle da população e práticas para conter as manifestações pagãs.

Todavia, Foucault já enfatizava que “onde há poder, há resistência”. E aqui encontramos Lia, cirandeira que se aproxima do que Artaud almejou para o Teatro da Crueldade, incitando o fim da representação e a quebra da teatralidade ocidental.

Ciranda é a dança, cujo tempo é o da pulsação e convívio dos corpos enfatizando os anseios de Lia: a destruição das formas espaço–temporais empregadas pelo biopoder. Pelas concepções cênicas que divulga, liberta o teatro do órgão, rompendo com as diferenças autor–texto, diretor–ator, espetáculo–espectador. Todos, mestre cirandeira e praticantes são, ao mesmo tempo, partícipes do espetáculo. Arte−sem−obra cujo centro é o próprio ator−espectador, que pela ação eficaz liberta o teatro do órgão, órgão de registro, de palavras, de interpretação, do ator.



Palavras chaves: ciranda, representação, teatro da crueldade